O que é Cultura Ballroom
Preta, latina e LGBTQIA+ a Cultura Ballroom é, em sua pura existência, um movimento político que celebra a diversidade de gênero, sexualidade e raça.
Mesmo sendo marginalizada também pela mídia, é possível perceber que a cultura (ou parte dela) tem sido inserida em alguns contextos artísticos.
Recentemente, a conquista de espaços e o aumento da popularidade, atestam o orgulho da minoria em enfrentar os padrões sociais, bem como combater os que insistem em tentar colocá-los novamente às margens da sociedade.
Cena do Documentário My House
Origens da Cultura Ballroom
Dando um breve panorama histórico, os primeiros registro de um baile (ball) com um homem se vestindo com o que era reconhecido como um visual feminino, é de 1849, no primeiro “Annual Masquerade and Civic Ball”, realizado pela Grand United of Odd Fellows, Harlem.
A partir disto, o subúrbio de Nova Iorque se estabeleceu como o lugar de partida e onde se estabeleceu a essência da cultura ballroom.
Entre 1920 e 1930, também no Harlem, se iniciou um movimento cultural substancialmente negro, hoje conhecido como Harlem Renaissence. Com muitos de seus líderes sendo gays, lésbicas ou, como consta nos registros, com sexualidade fluida, esse movimento influenciou a organização de uma cultura LGBTQI+ negra, que se tornou vívida na região.
Mais a frente, na década de 1960, concursos de beleza protagonizados por Drag Queens e pessoas transgêneres eram bastante comuns. No entanto, aqueles que não se enquadravam no padrão branco e europeu de beleza, não eram incluídos. Ou seja, queens negras raramente participavam e, ao participarem, raramente ganhavam prêmios devido ao racismo que buscava impedi-las de estarem em destaque.
Em um concurso, Crystal Labeija, drag queen e mulher trans negra, se revoltou contra os padrões racistas estabelecidos. LaBeija acusou a organizadora do concurso, Flawless Sabrina, de influenciar os jurados a votar a favor de uma queen branca, e a partir dessa indignação contra o silenciamento dos corpos negros, na recusa de participar de um sistema racista, junto de outra drag queen negra, Lottie Labeija, criou o primeiro baile exclusivo para queens negras.
Em 1972 aconteceu, então, o "Crystal & Lottie LaBeija presents the first annual House of Labeija Ball", também no Harlem. Ou seja, esse foi o primeiro baile anual da House of Labeija e, também a primeira ball feita por uma house.
Assim, com um intuito de inserir e acolher novos corpos, surgiram os moldes da Cultura Ballroom como conhecemos.
Crystal Labeija em cena do Documentário The Queen
O que são houses?
Crystal foi uma das precursoras e importante figura da cena ao ser a primeira fundadora de uma house, a “House of LaBeija”. Segundo Lawrence, a partir da House of LaBeija, diversas houses se expandiram por Harlem e em outros locais de Nova Iorque.
As houses são coletivos que buscam se assemelhar à estrutura de uma família, seja em termos de afeto e acolhimento, mas também em sua hierarquia, sendo lideradas por mothers e fathers. Era comum que jovens gays e transexuais fossem expulsos de casa, principalmente com o surto do HIV nos anos de 1980, isso levou esses jovens a encontrarem abrigo e pertencimento na ballroom.
Embora as houses denotem de algumas características que se assemelham com a estrutura familiar comumente exercida, não é o que se entende convencionalmente como família.
“It’s a question of human beings in a mutual bond" (Paris is Burning, 1990). Ou seja, em tradução livre, é sobre seres humanos em um vínculo comum.
Ao pertencerem a uma house, seus respectivos filhos herdam o sobrenome escolhido pelas mothers ou fathers das casas. Com isso, são estabelecidas as identidades e legados da cultura.
O que são “Balls”?
Com o ambiente sociocultural da década de 1980, privilegiando e dando liberdade a homens brancos heterossexuais, gays recebiam limitações quanto aos modos de se vestirem e de se expressarem. Por isso, a criação de espaços para que a comunidade LGBTQIA+ tivesse a chance de exercer sua elegância, beleza, arrogância e sagacidade, sem correr o risco de serem julgados, se tornou necessária, assim como locais que permitissem a exaltação de corpos rejeitados que buscavam o estrelato, o reconhecimento que era negado a eles. Assim surgiam as balls.
Com a criação das Houses e o desenvolvimento das balls direcionadas exclusivamente a grupos marginalizados, foi construído um local de segurança. A dinâmica exercida, possibilitaria liberdade para ser e performar sem as amarras da sociedade branca, cis e heterossexual.
Em uma curta definição, as Balls são eventos e cerimônias organizadas com fins políticos e de entretenimento. São locais de diversão, livre expressão e acolhimento de corpos marginalizados, por isso, são políticas em sua simples existência. Nelas se desenvolvem os elementos da cultura: as categorias de dança, caracterização e performance, com temas e no formato de batalhas. O vencedor de cada categoria leva um Grand Prize (prêmio entregue ao vencedor(a), que também é direcionado a sua house). Através das vitórias, houses e participantes desenvolvem a sua reputação e legado.
Origem do Voguing
O voguing é uma dança de empoderamento, luta e resistência com movimentações inspirada nas poses de modelos da famosa revista Vogue. A dança surgiu através de pessoas da comunidade LGBTQIA+ que, na época, eram presas apenas por serem quem são e, nos presídios tinham fácil acesso a revistas de moda, consideradas “sem conteúdo”. Como um dos únicos meios de distração, as pessoas da comunidade reproduziam as poses das mulheres brancas das revistas e almejavam alcançar aquele status fora dos presídios. Em virtude disso, as revistas se tornaram referências do início desse movimento.
Apesar de existir quem conteste essa versão, conta-se que a primeira batalha de voguing foi em uma boate (a Footsteps on 2nd Avenue and 14th Street) onde Paris Dupree dançava com uma revista Vogue em mãos, imitando as poses das modelos, página a página, de acordo com o beat. Outra queen presente começou a responder com poses e as duas travaram uma batalha simbólica na pista de dança.
E, ao longo da história da criação e consolidação da cultura ballroom, o voguing passou por diversos lugares, desde sua origem com poses (Posing) e indo até o que temos no dia de hoje.
Com o passar do tempo e novas pessoas adentrando a cena, os estilos foram se desenvolvendo e hoje divide-se em três categorias:
- Old Way, modalidade cujo foco são as linhas e simetrias, como nas páginas da revista;
- New Way, com foco na flexibilidade e agilidade, inspirado em movimentos ginásticos;
- E o Vogue Femme, criado pelas Femme Queens da cena, traz a feminilidade, acrobacias, sensualidade e energia.
As categorias buscam acolher a pluralidade de corpos e expressões e são adaptáveis também em relação a essa diversidade.
Em breve postaremos aqui no blog um artigo com mais detalhes sobre cada uma das categorias. Fique atente para não perder!
Outras Categorias
Importante destacar que a dança vogue é apenas parte das categorias que acontecem nas balls. Na década de 80 as categorias eram, em sua maioria, de caracterização e performance (muito semelhante à categoria Realness que acontece atualmente). Nelas, os participantes podiam vivenciar, por um breve momento, suas aspirações profissionais e de vida. Dado o contexto, pessoas LGBTQI+ não poderiam ter cargos como executivos, militares, etc, e era na ballroom que podiam se caracterizar assim ou mesmo ir além, representando a realeza, por exemplo. Aquele que fosse mais convincente na vestimenta e performance, levaria o Grand Prize.
Hoje, além da categoria realness, que desempenha função semelhante, temos mais frequentemente nas balls o Runway, categoria de desfile; Face, que busca premiar o rosto mais perfeito e expressivo; Best Dressed, que avalia a melhor caracterização e Sex Siren, que premia a sensualidade dos participantes.
Além disso, novas categorias surgem ano após ano, buscando acolher novos corpos, formas de expressão e contextos culturais.
Lembramos que ballroom é sobre isso: acolhimento, expressão e liberdade. Dar voz aos marginalizados para que falem, com a voz ou com seus corpos, o que a sociedade os inibe de falar.
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Editorial
Redação e Supervisão Editorial: Caroline Frizeiro e Karoline Lima
Pesquisa: House of Raabe
Revisão: Thaís Andrade
Contribuíram para esse texto:
Pioneer Father Felix Pimenta Zion, Pioneer Mother Ákira Avalanx West e Pioneer Mother Tete Moreira Barracuda Amazon.
Materiais consultados:
https://nmaahc.si.edu/blog-post/brief-history-voguing
http://www.timlawrence.info/
The Queen. Evergreen Film, 1968