EMMY 2020: Pose e representatividade na indústria
Se você lê nosso blog ou mesmo tem o mínimo conhecimento sobre ballroom deve saber que as pessoas T “carregam a cultura nas costas”, como normalmente falamos. As mulheres T da cena são intituladas femme queens, ou seja, as rainhas femininas - máximo posto de honraria da nossa cultura -, uma vez que sustentam a cultura e seu propósito. Mas basta que a cultura saia do espaço delimitado para que essa estrutura se altere.
O Vogue ganhou popularidade e muita gente resolveu inserir a dança e simular balls em clipes, programas de TV, shows. E, nesses espaços, quantas vezes vemos femme queens assumindo postos? Protagonizando clipes, tendo sua voz respeitada nos programas de TV? É possível contar nos dedos de uma mão.
Casos como esse tornaram Pose, série da Fx, criada por Ryan Murphy, um respiro de alívio. A série, que mostra a ballroom dos anos 80, tem um elenco repleto de femme queens, sendo revolucionária ao trazer 5 mulheres trans como protagonistas e o maior elenco trans da história da TV.
Com a popularidade da série, vimos Dominique Jackson, MJ Rodriguez, Indya Moore, Hailie Sahar e Angelica Ross se tornarem recorrentes no sofá de programas matinais, como pautas de programas sobre tv e recebendo a devida aclamação pela performance incrível que demonstraram em cena. Um momento revolucionário.
Por isso o Emmy desse ano veio com grande expectativa. Se você não conhece, o Emmy é a maior premiação da TV Mundial. Nele as performances demonstradas ao longo do ano em séries, minisséries e filmes pra tv são coroadas.
As meninas do elenco de Pose já eram dadas como certas na categoria de melhor atriz pela crítica especializada e pelo público mais entendido. Não sem porquê. A atuação de Angelica Ross na última temporada foi de deixar qualquer um encantado.
Sua personagem Candy fez o público sentir as mais diversas emoções. De gargalhar a se acabar de chorar no fatídico episódio 2x05 (calma, não daremos spoiler, mas se você não assistiu, faça esse favor a você mesme).
As indicações ao Emmy saíram e qual não foi nossa surpresa ao não ver nenhuma das atrizes de Pose indicadas a prêmio algum. O único indicado foi Billy Porter, homem cis.
No dia seguinte tivemos Angelica fazendo uma live aos prantos, afinal, ela própria sabia que merecia a indicação e, certamente, se decepcionou fortemente ao ver uma lista só com pessoas cis.
Como bem disse a atriz Indya Moore, “há algo estranho sobre pessoas trans não serem honradas em uma série sobre pessoas trans que criaram toda uma cultura para honrar a si mesmas, porque o mundo não era capaz de fazer o mesmo”.
A relevância e marca de Pose na história do entretenimento são inegáveis e a indicação de Billy foi, por muitos, vista como um prêmio de consolação. Como se a academia do Emmy - repleta de homens cis - dissesse “já que não podemos ignorá-los, que pelo menos a indicação vá para o que mais se parece conosco”.
E, mais uma vez, vemos a cultura ser levada ao mainstream com aquelas que são a sua base sendo apagadas e silenciadas. Mais uma vez os homens cis levando toda glória sobre algo fundamentado por pessoas T.
Não questionando a atuação de Billy que é um artista fantástico e que cava sua bandeira de representatividade onde é de direito, sendo um homem gay negro. Mas ele sabe, nós sabemos e a Academia sabe que o brilho de Pose não deveria ser creditado a ele.
Um record de atrasos
Todas essas nossas reivindicações ajudam a notar o atraso em que se encontra toda a indústria do entretenimento. É irônico dizer que esse ano o Emmy tem seu recorde de pessoas T indicadas: DUAS!. Até ano passado, Laverne Cox, de Orange is the New Black, era a única mulher trans a ter sido indicada às categorias de atuação na história da premiação.
Sim, dos mais de 100 nomes indicados anualmente, somente dois NA HISTÓRIA (a premiação tem 70 anos, faça as contas) são T.
Deixando ainda mais evidente que, direitos podem ser alcançados no papel, mas a realidade é bastante diferente, também estamos vivendo um record de indicados negros. Mais de 50 anos após o fim da segragação racial americana, esse record é de 30%
E, sim, ainda aguardam a nossa comemoração. Abordar essa temática em 2020, reflete muito sobre como o mundo está se encaminhando, e como as ações se normalizam no capitalismo. É bom refletirmos, quem está no comando das coisas que estamos consumindo. A não representatividade, vem desses lugares de grande poder. É muito importante e feliz, sabermos que pessoas como Billy, homem negro gay está concorrendo, ou a série Insecure, que retrata a vida de 4 mulheres negras e por aí vai...
Sim, é incrível, mas quantas pessoas negras estão de fato em cargos de poder na indústria americana? É para refletir!
Temos grandes nomes no mercado cinematográfico que ainda nem ganharam seu devido valor, e com isso respinga em nomes como Mj Rodriguez, Indya Moore, Dominique Jackson, Angelica Ross e Hailie Sahar. Mulheres T, negras, latinas que retratam a vida de pessoas lgbt+ periféricas, que resistem nesse sistema de apagamento. Uma série que fala sobre a importância da nossa cena, e como tudo que vendem por aí, tem a ver com algo muito mais profundo, como a vivência dessas pessoas, sem estrutura familiar, saúde básica, racismo, transfobia e muito preconceito.
Saber que essa é a realidade, significa a falta de diálogos dentro de lugares como esse que também está inserido na nossa sociedade. Podemos resistir, ironizar, mas sabemos que na vida o buraco é mais em baixo.
E no Brasil?
Quantas pessoas T são ou foram premiadas aqui no nosso país. Estamos às vésperas de uma importante premiação da MTV, o Miaw, e quantas pessoas T podem ser votadas?
Indo mais além, quando ligamos esses canais de clipe ou os portais de notícias do entretenimento, quantos clipes e notícias sobre o trabalho de pessoas T vemos?
Ainda esse ano, em que muitos artistas decidiram levar a ballroom para os seus clipes é difícil encontrar representatividade significativa.
Podemos e devemos criticar o cenário internacional, mas não devemos esquecer de trazer nossa atenção e questionamentos para o Brasil, o país que mais mata transexuais e que mais consome esses corpos de forma objetificada sexualmente através da pornografia, cabe sempre ressaltar.
Quando olhamos pro cenário geral vemos que, mesmo com tantos passos à frente, a sensação é que não saímos do lugar.
Terminamos esse texto com um “até quando?”. Até quando isso acontecerá? E até quando deixaremos acontecimentos como esse passarem?
____________________________________________________________________________________________
Editorial
Redação e Supervisão Editorial: Caroline Frizeiro e Karoline Lima (Raabe).